quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Narrativa

A pedido de «várias famílias» ficam elementos para as revisões. 


Texto narrativo
O texto narrativo  conta uma “história”, original e/ou vivida por personagens (individuais ou coletivas); pressupõe o relato de acontecimentos reais ou fictícios que se sucedem no tempo.
Os eventos e as personagens situam-se num determinado espaço.
São, assim, elementos estruturadores da narrativa:
Ação
A ação e constituída pela sequência de eventos motivados ou sofridos pelas personagens.
Fechada — o leitor tem conhecimento do destino final das personagens; a história tem princípio, meio e fim.
Aberta — o destino definitivo das personagens é omitido, tal como o final da acção; a história não tem um princípio, um meio e um fim bem definidos; os episódios não fazem parte de uma ação única; o leitor é convidado a fazer uma reflexão sobre o que leu.
Fechada/Aberta — em determinados textos, encontramos referência ao destino definitivo das personagens, sem que, contudo, a reflexão deixe de ser motivada pelo relato dos acontecimentos, que pode não “fechar” completamente a ação em relação a determinados aspetos.

Personagens
Individuais ou Coletivas
Personagens desenhadas ou planas — estas são definidas por um elemento característico que as acompanha durante todo o texto; tendem para a caricatura ou para a representação de um grupo social (personagem-tipo).
Personagens modeladas ou redondas — trata-se de personagens complexas, que apresentam uma multiplicidade de traços caracterizadores; as suas atitudes perante os acontecimentos podem surpreender o leitor; aproximam-se do ser humano pela sua complexidade.
Espaço
Espaço físico — trata-se do espaço onde as personagens se movimentam e onde ocorrem os acontecimentos:
.geográfico
.interior
.exterior
Espaço social — ambientes vividos pelas personagens; liga-se às características da sociedade em que as personagens se inserem
Espaço psicológico — este espaço é construído pelo conjunto de elementos que traduzem a interioridade das personagens (como, por exemplo, o sonho, a memória, as emoções, as reflexões...).

Tempo
Tempo da história — é o tempo em que decorre a acção.
Tempo histórico — refere-se à época em que os acontecimentos têm lugar - final do século XIX, por ex.
Tempo do discurso —  forma como o narrador relata os acontecimentos — pode voltar atrás no tempo (analepses), adiantar determinado episódio (prolepse), omitir o que se passou em determinado período temporal (elipse), contar de forma abreviada o que aconteceu num certo período de tempo (resumo).

Tempo psicológico — é o tempo vivido pelas personagens de forma subjetiva, ou seja, relaciona-se com o modo como as personagens sentem a passagem do tempo.
 Tipos de narrador
Narrador heterodiegético — é uma entidade exterior à história; tem uma função meramente narrativa; relata os acontecimentos.
Narrador homodiegético — é uma personagem da história que revela as suas próprias “vivências” (não se trata do protagonista da história).
Narrador autodiegético — o narrador participa na história como protagonista, revelando as suas
Focalização da narrativa
A focalização  é o ponto de vista do narrador em relação aos acontecimentos narrados.
Focalização omnisciente— o narrador detém um conhecimento total dos acontecimentos.
Focalização interna — surge quando é instaurado o ponto de vista de uma das personagens que vive a história.
Focalização externa — acontece quando o narrador revela as características exteriores das personagens ou apresenta um espaço físico onde decorre a ação.
A focalização pode ainda ser:
Heterodiegética — a ação é contada por um narrador exterior à história.
Homodiegética — uma das personagens da obra toma o papel de narrador.
Interventiva — tem a função de comentário.
Nota:  a palavra diegese tem origem grega e significa história.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O último Eça



Se ainda não têm o livro, comprem esta edição, porque inclui um prefácio muito interessante de Rui Zink, que aqui reproduzo, em parte. 
Editor: Quidnovi
Prefácio:  Rui Zink

Preço: 6,01 €. Podem comprar on-line em: Bulhosa - Books & Living

 *****
O livro onde fui feliz (Rui Zink)

O tema de A Cidade e as Serras é a felicidade. E o que Eça de Queirós nos fornece não é uma chave para a encontrarmos – isso é problema nosso – mas o relato, singelo, de como um homem, «o meu bom príncipe Jacinto», descobriu a sua. É um romance delicioso e terno, onde o humor não serve a feroz sátira mas a amável comédia – e toda a irritação é bonacheirona, até quando o narrador Zé Fernandes se exaspera por embater o joelho num livro «que velhacamente se aninhara entre a parede e os colchões». De resto, desafio o mais trombudo dos leitores a conseguir ler página e meia – a página e meia inicial! – sem que um sorriso deleitado lhe comece, como quem não quer a coisa, a torcer os cantos dos lábios. Este é o mais perfeito, mas também o mais simples romance de Eça. A história de um homem que vive em Paris, no paraíso da Civilização, até descobrir que a fonte que lhe acudirá à sede é outra. Mais simples de facto não há. O romance chama-se A Cidade e as Serras e, até meio, estamos na Cidade, depois nas Serras. Isto, enfim, com uma turbulenta viagem (mais lenta que turbo) de comboio, burro e queijo manchego entre Paris e Tormes. O livro segue uma linha recta. Ou melhor, uma linha ondulante, sinuosa, como o leito de um rio que serenamente corre para o seu destino. Em menos de meia-dúzia de páginas desdobra Eça os antecedentes necessários para justificar que Jacinto nasça em Paris, «no 202 dos Campos Elíseos», e passa logo ao que tem a contar: a transformação de Jacinto de rato da cidade em lebre do campo. Para quem já não é desse tempo, eu explico: acreditem ou não, no final do século XIX a cidade de Paris era o que hoje Nova Iorque, Tóquio, Xangai e, vá lá, Londres representam. Aqui já não temos, como em Eças anteriores, uma comparação triste e desigual entre um país provincianamente pífio e um mundo «lá fora» feito de Gosto e Cosmopolitismo, mas o inverso: em Paris morre-se de enfado lento, em Portugal renasce-se. Este livro pode­ria muito bem chamar-se Regresso a Casa. Duplo, triplo regresso a casa, aliás. Em primeiro lugar do protagonista, que descobre em Tormes a vitalidade perdida e a alegria nunca tida (já para não falar do apetite, o importantíssimo apetetitezinho). Em segundo lugar, regresso físico do autor, que andou muito, demasiado muito, por Paris, Newcastle, Havana. Em terceiro lugar, regresso da alma do autor, que finalmente se reconcilia (já não era sem tempo!) com o país do qual se apartara, do qual quase se divorciara, com o qual tanto – n' As Farpas, no Padre Amara, n' Os Maias – se zangara. Pois é. Há uma volta na vida dos homens, os mais sortudos, que é chegarmos a uma certa idade na qual, depois de anos a fio todos tensos e contraídos, finalmente conseguimos alguma calma e paz connosco próprios. Assim está este Eça, a divertir-se e a divertir-nos, com o mais singelo conto que lhe deu na veneta contar. É uma revisitação do bucolismo, fruto de uma inocência perdida e, depois, readquirida. Em A Cidade e as Serras, Eça - cansado de muito guerrear – faz pois as pazes com o país. Pena que isso aconteça nos últimos anos da sua vida, deixando a parte mais gostosa da escrita – a reescrita, precisamente - a metade. Não sei se ele previa a morte próxima, sei que se sente neste livro um bem-estar, uma felicidade, uma boa disposição contagiantes. Mesmo as personagens risíveis no livro não o são muito – não são ridicularizadas, como outrora os Palmas Cavalões, os Dâmasos Salcedes, os Primos Basílios, os Conselheiros Acácios. Em contrapartida, abundam as pessoas felizes e boas. Jacinto é mimado e poderia ser irritante de tão irritantemente rico, privilegiado e alheado da realidade? Sim, mas até eu - que sou dado a rancores de classe – o aceito como ele é, e gosto dele como é, despassarado e fútil, até crescer – em Tormes, em Portugal – e se tomar (já entrado te) um homem. E, para além de tudo, Jacinto é «bondoso». Este livro abre um mundo onde, se há personagens menores - as figuras de Paris - não há, como diria o Padre Américo, rapazes maus. Ele é «o meu bom tio», «o bom Melchior», «o bom Silvério», «o bom abade de S. José», «o bom Rebelo», «o bom D. Teotónio», «o bom Schopenhauer», o Visconde do Bom Sucesso... E até o narrador não tem problemas em dizer, com a candura de quem vê o mundo sem malícia, «mas concordei, porque sou bom, e nunca desalojarei um espírito do conceito onde ele encontra segurança».   


 * * *    
Não há uma idade para ler Eça. Qualquer uma é a idade certa, a altura certa, para nele mergulhar. Mas, se não há «altura certa», há uma altura factual, uma data, em que lemos pela primeira vez um dado livro. O prazer da leitura é intemporal? Sim, mas não vivemos (snif) fora do tempo e do espaço. Eu descobri o Eça num momento particular: no meio de crises brutais de asma que me levavam quase todos os dias ao hospital. O que senti quando li pela primeira vez A Cidade e as Serras? Alegria. Consolo nos maus momentos. Descoberta do mundo. Aprendizagem de Portugal. Sabedoria de vida. Salvo erro, foi o meu primeiro Eça, a minha introdução a Eça, o livro que me levou a devorar os outros Eças. Com excepção d' Os Maias, que ficaram mais uns anos a aguardar a minha visita, pois, lamento dizê-lo, era aquilo a que os profissionais do livro chamam um tijolo. Mas A Cidade e as Serras, esse, marchou tinha eu catorze anos. Já não me lembro se foi uma professora que falou com um entusiasmo convincente ou apenas um ar que me deu. Por acaso tínhamos o livro em casa - ajuda sempre que a nossa família tenha livros em casa. Vá lá uma pessoa saber porquê, mas é assim. Morava eu então na Calçada de Sant'Ana, aquela rua que serpenteia colina acima, quase do Rossio até ao Torel. É uma rua lite­rária mas pouca gente sabe isso: lá nasceu a Amália (na Martim Vaz, um afluente da calçada), lá morreu Camões (bem, há lá uma placa colocada em 1867), lá fica uma igrejinha que Eça tornou personagem num ou noutro romance. A calçada desce até uma bifurcação: a da Rua Arco da Graça, que para a direita vai dar ao Rossio e, para a esquerda, desagua uns quarteirões à frente no Hospital de S. José, e naquilo que no Hospital de S. José mais me interessava na altura: as Urgências. A asma é uma doença interessante, porque – tal como o ar – é invisível. Não há marcas exteriores, apenas o efeito. É talvez a doença que mais facilmente pode ser simulada, por esse motivo. Em contrapartida, não é pêra doce. A sensação de falta de ar não é das mais agradáveis. E qualquer asmático sabe que é quando se deita que as coisas pioram. Mas dormir é preciso. Foi, pois, a necessitar de oxigénio que degustei (fui degustando) estas páginas, numa mão-cheia de abafadas noites de Verão. Regressado do cinema, e antecipando mais um chato ataque de asma, ficava na cama a ler até que o sono vencia. Depois, o efémero vencedor era derrotado (interrompido) pela falta de ar, e eu lá me vestia para ir a pé, sozinho apesar dos meus catorze anos, às urgências do hospital de S. José a tomar a minha dose de aminofilina e, de novo a respirar, voltava para a cama pelas cinco da manhã, adormecendo de novo a ler mais umas páginas. O meu avô, que tinha morrido meses antes, e foi tão importante para mim como Afonso da Maia para Carlos, sempre me pareceu um modelo de bondade. E eu magicava: os adultos tendiam a ser cínicos e trocistas - porque sabiam mais coisas da vida que eu, mas o meu avô, que era mais experiente (mais velho), mais sábio (um autodidacta muito lido) e mais zurzido pelas intempéries (preso no Aljube, em 1938), mantinha uma doçura, uma amizade pelo bicho humano que me baralhava as coordenadas. E, com esforço, eu lá concluía: os cínicos de trinta, quarenta anos lá topariam coisas que eu ignorava, mas o meu avô tocava mistérios que eles nem sonhavam. O Eça que aqui nos é dado ler está a afastar-se, aos cinquenta anos, dos homens cínicos e a aproximar-se, com alguma melancolia coberta pelo manto diáfano da alegria, da bondade do meu avô. A vantagem de uma pessoa chegar à idade em que já pode ser prefaciador é que temos uma oportunidade – ou melhor, «uma janela de oportunidade» – para regressar ao livro onde fomos felizes. Fui feliz ao ler adolescente A Cidade e as Serras e feliz fui, agora, ao reler esta maravilha no metro, no autocarro, em cafés, num exame (nada de comiserações, eu apenas vigiava o exame). E sinto-me agora um bocadinho feliz ao acreditar – porque eu também sou bom, caramba – que dentro de segundos alguém vai começar a partilhar a minha experiência.   

 Rui Zink, Prefácio a A Cidade e as Serras, QuidNovi, 2010 (com supressões)

Disponível em  http://olga.wirenode.mobi/page/40

Capítulo I (início)



O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival.
No Alentejo, pela Extremadura, atravéz das duas Beiras, densas sebes ondulando por colina e vale, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos d'esta velha familia agrícola que já entulhava grão e plantava cepa em tempos d'el-rei D. Dinis. A sua quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo Douro, cobriam uma serra. Entre o Tua e o Tinhela, por cinco fartas legoas, todo o torrão lhe pagava fôro. E serrados pinheirais seus negrejavam desde Arga até ao mar de Âncora. Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em Paris, nos Campos Elíseos, nº 202.

Seu avô, aquele gordíssimo e riquíssimo Jacinto a quem chamavam em Lisboa o "D. Galião", descendo uma tarde pela travessa da Trabuqueta, rente de um muro de quintal que uma parreira toldava, escorregou numa casca de laranja e desabou no lagedo. Da portinha da horta saía nesse momento um homem moreno, escanhoado, de grosso casaco de baetão verde e botas altas de picador, que, galhofando e com uma força fácil, levantou o enorme Jacinto – até lhe apanhou a bengala de castão de ouro que rolara para o lixo. Depois, demorando nele os olhos pestanudos e pretos:
— Oh Jacintho Galião, que andas tu aqui, a estas horas, a rebolar pelas pedras?
E Jacinto, aturdido e deslumbrado, reconheceu o Senhor Infante D. Miguel!
Desde essa tarde amou aquele bom Infante como nunca amara, apesar de tão guloso, o seu ventre, e apesar de tão devoto o seu Deus! Na sala nobre da sua casa (à Pampulha) pendurou sobre os damascos o retrato do «Seu Salvador», enfeitado de palmitos como um retábulo, e por baixo a bengala que as magnanimas mãos reaes tinham erguido do lixo. Emquanto o adorável, desejado Infante penou no desterro de Vienna, o barrigudo senhor corria, sacudido na sua sege amarela, do botequim do Zé-Maria em Belém à botica do Palácio nos Algibebes, a gemer as saudades do "anginho", a tramar o regresso do "anginho". No dia, entre todos bendito, em que a "Pérola" apareceu á barra com o Messias, engrinaldou a Pampulha, ergueu no Caneiro um monumento de papelão e lona onde D. Miguel, tornado S. Miguel, branco, de auréola e asas de Arcanjo, furava de cima do seu corcel d'Alter o Dragão do Liberalismo, que se estorcia vomitando a Carta. Durante a guerra com o «outro, com o pedreiro livre» mandava recoveiros a Santo Tirso, a S. Gens, levar ao Rei fiambres, caixas de doce, garrafas do seu vinho de Tarrafal, e bolsas de retroz atochadas de peças que ele ensaboava para lhes avivar o ouro. E quando soube que o senhor D. Miguel, com dois velhos bahus amarrados sobre um macho, tomára o caminho de Sines e do final desterro - Jacinto Galião correu pela casa, fechou todas as janelas como em um luto, berrando furiosamente:
—Tambem cá não fico! tambem cá não fico!
Não, não queria ficar na terra perversa de onde partia, esbulhado e escorraçado, aquele Rei de Portugal que levantava na rua os Jacintos! Embarcou para França com a mulher, a senhora D. Angelina Fafes (da tão falada casa dos Fafes da Avelã); com o filho, o Cintinho, menino amarelinho, molezinho, coberto de caroços e leicenços; com a aia e com o moleque. Nas costas da Cantabria o paquete encontrou tão rijos mares que a senhora D. Angelina, esguedelhada, de joelhos na enxerga do beliche, prometeu ao Senhor dos Passos d'Alcantara uma coroa de espinhos, de ouro, com as gotas de sangue em rubis do Pegu. Em Bayonna, onde arribaram, Cinthinho teve icterícia. Na estrada d'Orleans, numa noite agreste, o eixo da berlinda em que jornadeavam partiu, e o nédio senhor, a delicada senhora da casa da Avelã, o menino, marcharam três horas na chuva e na lama do exílio até uma aldeia, onde, depois de baterem como mendigos a portas mudas, dormiram nos bancos duma taberna. No Hotel dos Santos Padres, em Paris, sofreram os terrores dum fogo que rebentara na cavalhariça, sob o quarto de D. Galião, e o digno fidalgo, rebolando pelas escadas em camisa, até ao pátio, enterrou o pé nu numa lasca de vidro. Então ergueu amargamente ao céu o punho cabeludo, e rugiu:
—Irra! É demais!
Logo nessa semana, sem escolher, Jacinto Galião comprou a um príncipe polaco, que depois da tomada de Varsóvia se metera frade cartuxo, aquele palacete dos Campos Elísios, nº 202. E sob o pesado ouro dos seus estuques, entre as suas ramalhudas sedas se enconchou, descançando de tantas agitações, numa vida de pachorra e de boa mesa, com alguns companheiros de emigração (o desembargador Nuno Velho, o conde de Rabacena, outros menores), até que morreu de indigestão, dumalampreia de escabeche que lhe mandára o seu procurador em Monte-mór. Os amigos pensavam que a senhora D. Angelina Fafes voltaria ao reino. Mas a boa senhora temia a jornada, os mares, as caleças que racham. E não se queria separar do seu Confessor, nem do seu Médico, que tão bem lhe comprehendiam os escrúpulos e a asma.
—Eu, por mim, aqui fico no 202 (declarara ela), ainda que me faz falta a boa água de Alcolena... O Cinthinho, esse, em crescendo, que decida.
O Cinthinho crescera. Era um moço mais esguio e lívido que um cirio, de longos cabelos corredios, narigudo, silencioso, encafuado em roupas pretas, muito largas e bambas; de noite, sem dormir, por causa da tosse e de sufocações, errava em camisa com uma lamparina através do 202; e os criados na copa sempre lhe chamavam a "Sombra". Nessa sua mudez e indecisão de sombra surdira, ao fim do luto do papá, o gosto muito vivo de tornear madeiras ao torno: depois, mais tarde, com a melada flor dos seus vinte annos, brotou nele outro sentimento, de desejo e de pasmo, pela filha do desembargador Velho, uma menina redondinha como uma rola, educada num convento de Paris, e tão habilidosa que esmaltava, dourava, concertava relógios e fabricava chapéus de feltro. No outono de 1851, quando já se desfolhavam os castanheiros dos Campos Elísios, o Cinthinho cuspilhou sangue. O médico, acarinhando o queixo e com uma ruga seria na testa imensa, aconselhou que o menino abalasse para o golfo Juan ou para as tépidas areias de Arcachon.
Cinthinho porém, no seu aferro de sombra, não se quiz arredar da Terezinha Velho, de quem se tornara, através de Paris, a muda, tardonha sombra. Como uma sombra, casou; deu mais algumas voltas ao torno; cuspiu um resto de sangue; e passou, como uma sombra.
Três meses e três dias depois do seu enterro o meu Jacinto nasceu.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A Cidade e as Serras - questionário

Aqui está uma ajuda para A Cidade e as Serrasquestionário de leitura.
 

Serve para de forma ainda"suave" reforçarem o convívio com o texto de Eça de Queirós e preparar a interpretação de leitura de A Cidade e as Serras necessária para breve, no exercício escrito.




Cunha Barros, desenho, c. 1926. Antecipação da Lisboa do futuro.




Nota: ignorar o passo 4. do questionário, por ter um lapso no número da porta...

Quem é Jacinto?

 A Cidade e as Serras 

Está na altura de pensares nas várias personagens e nas reflexões que Eça de Queirós nos propõe.

Deixo-te com

JACINTO 

«Zé Fernandes ("homem das serras", que disso se orgulha) coloca, no centro da história que relata, Jacinto, uma figura em mudança. No início d'"A Cidade e as Serras", encontramo-lo eufórico com a Civilização; anos depois, Zé Fernandes observa nele sinais de cansaço: "notei que corcovava". Quando parte para as Serras, Jacinto vai desconfiado, mesmo temeroso; sobrevém, por fim a revitalização inesperada: a do corpo e a do espírito.

Em Paris, Jacinto é ele mesmo mais as geringonças inventadas por uma Civilização tentacular: aparelhos sofisticados (o fonógrafo, o telefone, o conferençofone,o teatrofone), modas bizarras, escovas e pentes de feitios engenhosos, uma enorme biblioteca e modos de vida supercivilizados deixam-no cada vez mais indiferente. Porque a Civilização tudo lhe dá, menos alegria de viver. Razão tinha o escudeiro Grilo, um "venerando preto" que um dia fixou, num diagnóstico insuperável, a doença de Jacinto:"- Sua Excelência sofre de fartura."

A regeneração dá-se no reencontro com as Serras, experiência decisiva de regresso às origens, nisso a que hoje chamamos Portugal profundo; nele desdobra-se uma Natureza aparentemente pura, mas não isenta de sofrimento. E contudo, os costumes e as coisas singelas, tal como a simplicidade dos alimentos, reconduzem Jacinto à alegria de viver e mesmo ao riso. O que não implica a recusa radical da Civilização, mas antes  a  busca  desse  "equilíbrio  de vida" e  da  efectiva Grã-Ventura que Zé Fernandes testemunha, por fim; o casamento e a paternidade acrescentam a tais qualidades uma outra: a fecundidade que na Cidade parecia cancelada.

Cabe ao Grilo resumir, outra vez com uma expressão lapidar, esse estádio final da mudança do amo: "- Sua Excelência brotou!" Jacinto já não é "Jacinto ponto final".»

Hora'EÇA - Um percurso pela vida e obra de  EÇA de QUEIRÓS
Disponível em  http://users.prof2000.pt/ano/alvide/eca/personagens_ilustres.htm>


domingo, 22 de fevereiro de 2015

Paris

"O desejo mais natural do homem, 
é saber o que vai no seu bairro e em Paris."

Eça de Queirós (bio)



 Hoje, venho trazer-vos as ruas de Paris dos finais do século XIX, o que só é possível porque a ciência, a técnica e a indústria se conjugaram para criar e generalizar o uso da fotografia.

Excertos do livro


"Logo nessa semana, sem escolher, Jacinto «Galeão» comprou a um príncipe polaco (...) aquele palacete dos Campos Elísios" (cap. I)



"Era um domingo silencioso, enovoado e macio, convidando às voluptuosidades da melancolia. E eu (no interesse da minha alma) sugeri a Jacinto que subíssemos à Basílica do Sacré-Coeur, em construção nos altos de Montmartre."(cap. VI)
"Mas a Basílica em cima não nos interessou, abafada em tapumes e andaimes, toda branca e seca, de pedra muito nova, ainda sem alma." (cap. VI)

"...bairros estreitos e íngremes, de uma quietação de província" (cap. VI)

"Sob o céu cinzento, na planície cinzenta, a Cidade jazia toda cinzenta, como uma vasta camada de caliça e telha."
(cap. VI)







Aproveitem as ligações que vos proponho, para saberem mais sobre a Cidade de Paris  
e visitar o seu mais importante museu - o Musée du Louvre.

(1) Créditos: Todas as imagens aqui utilizadas foram recolhidas no sítio http://www.parisenimages.fr , um grande e extraordinário arquivo, propriedade da cidade de Paris, e cuja reprodução está, naturalmente, condicionada a fins didácticos.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Debate

DEBATER  
FREI LUÍS DE SOUSA, DE ALMEIDA GARRETT 
EM 2015

(O filme deste evento será analisado em aula na preparação do próximo debate)




Aguarda-se o envio das conclusões, a cargo da equipa do moderador. Podem enviar como comentário, para ser corrigido e publicado na página principal.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

S.O.S.

Como prometido, fica o complemento da aula (exercício formativo), para quem precisar. 
Atenção à gramática! 

O ator Rogério Samora como Frei Jorge, no filme Quem és tu? de João Botelho

'Clicar' sobe a imagem, para aumentar.